Ulisses estava
cansadíssimo após sua longa caminhada pelos fumegantes quarteirões de Cascadura
em pleno verão. Sua meta era a casa de sua querida priminha Leonor. Mas na
verdade não era só calor a principal causa do seu aniquilamento. O que o
incomodava muitíssimo era a adaptação a sua nova perna de pau.
Mal chegando, pediu
um copo d’água frappé em proteção à
sua abaritonada voz, que se apresentaria na próxima semana cantando na missa de
Natal na catedral de sua cidade, Cantagalo. Atendido, fez outro pedido à única
pessoa presente na casa naquele momento: sua querida tia Lola, ex-freira e
quase viúva do seu maior amigo, o quase desaparecido tio Candinho. Na verdade,
tia Lola pouco ficava em casa. Suas viagens pelo Brasil eram constantes, sempre
secretariando o sisudo Padre Pereira à procura de tio Candinho. Até em Búzios e
Campos do Jordão o padre e sua abnegada secretária o procuraram. Imaginem a
exaustão do padre e da ex-freira. Sempre que os encontrava, ouvia: “A esperança
é a última que morre”. Na verdade, o puríssimo Cândido desapareceu no final do
século passado. Pobre tia Lola... Como devia estar triste. E o nosso santo e
dedicado Padre Pereira? Este então deve estar sofrendo muito. O seu abatimento
é visível nas olheiras negras das noites insones, consolando a casta tia
lola...
Mas basta de tristeza
dos outros.
Ulisses, munido de
papel e lápis, deixa o seguinte bilhete para ser entregue a sua estimada e confidente
prima Leonor:
Preciso
de sua bendita opinião.
A depressão tem sido uma terrível companhia nos últimos meses. Vivo
colhendo os frutos podres do meu pomar amoroso. Sei que compreendes como se
fosse uma irmã de caridade. Prima, lembras daquela espírita eslovaca com quem
certo dia me consultei? Na ocasião aconselhou-me a arriscar minha vida numa
cidade de colonização açoreana no Sul do Brasil. Na época não consegui coragem.
Mas agora a solidão é tanta, que segurei a predição. Espero que opines
favoravelmente. A eslovaca disse qe o além me garantia uma boa nova vida: fartura
alimentar, motivação para pintar e maravilhosos encontros literários na
livraria de dona Gracinha. Mas, prima! O que mais me fez ficar excitado foi ela
dizer que um encontro flamejante estava à minha espera. Sabes com quem? Com uma
esbelta e rica portuguesa, natural da Ilha da Madeira e dona de uma sensual
perna de pau...
Fernandinho Azul & Vinho
8.8.2008